quinta-feira, 30 de julho de 2015

Crônica sobre a liberdade.

                A estrada parecia não ter fim. O barulho do motor de minha motocicleta é como uma sinfonia dissonante ressonante em meus ouvidos, assim como o vento que corta meu corpo num sutil estrondo. Mas não é sobre isso. Nunca é.
                - Habilitação, senhor. – sempre a mesma pergunta, quase sempre o mesmo ato de entregar este pedaço de papel que define se tenho ou não o direito de trafegar por esta rodovia.
                - Deve ser chato ficar a procura de documentos irregulares para poder demonstrar serviço.
                - O que disse? – foi fácil irritá-lo.
                - Sabe o que é liberdade?
                - O que quer dizer? Vocês motoqueiros sempre se acham os donos da razão! Com estas malditas filosofias de viver livre, sem preocupações... Nunca deve ter tido nenhuma responsabilidade, menino. – muito fácil.
                - Não. Está totalmente enganado. Minha filosofia não é viver livre. Isso é muito superficial. Minha filosofia é a liberdade. Você é livre?
                - Cale a boca. – está tentando escapar...
                - Talvez leve uma vida muito infeliz. Esposa gorda...
                - Cuidado com o que diz. – olhar desafiador.
                - ...filho não muito inteligente...                                            
                - Vai querer mesmo continuar? – agora tenho uma arma encostada na minha cabeça. Esse era o ponto.
                - Me diga o que é liberdade para você.
                - É não estar preso. Você está prestes a ser preso e perder sua tão imaculada liberdade. – um sorriso de desespero brotou em sua face.
                - Acredita que uma prisão é feita de concreto e ferro? Que tolo. Uma prisão é feita de bem mais do que isso.
                - Então me diga o que é uma verdadeira prisão. – a arma continua apontada para minha cabeça. Acendo um cigarro e o olhar dele apresenta certa insegurança perante meu excesso de confiança.
                - Uma verdadeira prisão não dá as caras, é o emprego que você odeia, a família que você nunca desejou formar, os amigos que você vê como estranhos e não suporta. A verdadeira prisão é sua mente, com todos os joguinhos psicológicos que podem te afligir pelo resto de seus dias, ou até mesmo ajudar a adiantar o final desses dias. A verdadeira prisão te faz implorar pela morte porque você deixa de saber o real significado das coisas, mas na maioria das vezes você nem percebe, não entende porque está ficando triste, deprimido. Você é o elo fraco de sua própria existência, que não sabe se rompe ou se continua suportando uma pressão maior do que deveria receber.

                A arma cai ao chão, os olhos dele estão arregalados o máximo que ele poderia fazê-lo, mas ele não está olhando para mim. Ele está olhando para si mesmo, se perguntando aonde errou, o que deveria fazer para reparar esse erro, mas não há mais o que fazer. Nem todos suportam a libertação. Só resta a estrada e minha sinfonia dissonante ressoando em meus ouvidos.

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