quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Um Conto Realmente Horrível.



Às vezes me perguntam “qual a história de amor mais bonita que você já viveu?”, e eu respondo, tipicamente animado: todas! “Mas como assim, todas?”. Oras, existe alguma lei regente no universo que me proíbe de curtir todos os amores que vivi? Que me impeça de aprender com cada desalento? Que me obrigue a amar apenas uma vez? Acho que subestimamos conceitos. Mas já que toquei no assunto, eu me lembro de uma história interessante sobre amor, e fique tranquilo, pois não é mais uma aventura ultrarromântica de um adolescente ou uma história de coração partido de alguém que cresceu influenciado pelos romances hollywoodianos, mas a história de um agaroto e uma garota – e esse ponto poderia ser diferente, sem problema algum -, que por azar acabaram se cruzando.

Ele vivia sem nenhuma perspectiva, pois perdera a namorada, o melhor amigo, o emprego, o carro estragara... Um pobre coitado. Ela era independente, sem maiores problemas, apenas esperando o dia de amanhã para ser vivido, sem maiores preocupações. Eles eram completamente diferentes, como o mundo deve ser; e isso nunca impediu nada de dar certo. Quem sempre impede somos nós mesmos. E pensando assim caímos num paradoxo. Enfim...

Não houve situação inusitada, momento troca de olhares, lugar certo na hora certa, nada disso; eles se conheceram na internet, como todo mundo se conhece hoje em dia. Ela curtiu uma foto dele, ele curtiu uma dela, e com toda essa curtição começaram a conversar, marcaram de se encontrar, mas essa é a parte chata da história. Então vamos para o próximo parágrafo.

Ela sempre ligava para ele nas noites de quarta-feira, e ele adorava ouvir a voz dela – uma voz tão doce que fazia ele ter orgasmos – enquanto imaginava como seria o final de semana juntos. Era paixão, talvez amor, talvez conforto, mas isso não importava, pois eles estavam curtindo um ao outro com tudo o que tinham. Saiam nos finais de semana a fim de relaxar, assistiam um filme, tomavam uma boa cerveja ou comiam um pote de sorvete. As coisas banais tornam-se sensacionais quanto se tem um motivo eufórico por trás disso.

-Você me ama? – perguntou ela, com tom meigo.
-Só se você disser que me ama primeiro.
-E se eu não disser?
-Então eu não vou dizer, vou apenas mostrar.

E eles se entrelaçaram, um nos braços do outro, na cama dividida por eles todo o final de semana, há três meses, enquanto o velho rádio tocava um velho CD que ele ganhara de sua ex-namorada, com todas as canções românticas que ele um dia amou escutar com outra pessoa enquanto dividia àquela mesma cama. Para ele isso nunca faria diferença.

-Quanto você acha que vai durar? – perguntou ela, com a cabeça acomodada no peitoral dele.
-Durar?
-É. Quanto tempo acha que ficaremos juntos?
-Não sei.
-Como não sabe?
-Eu não me preocupo com isso.
-Não se preocupa com a gente?
-Não me preocupo com a gente separado. Me preocupo com a gente feliz.

Ela sorriu. Ele beijou sua testa.

Para o mundo exterior tudo parecia perfeito, mas o interior prega peças. Maldito.

Ele ficava ocupado com seus estudos e trabalhos por fazer. Ela trabalhava demais. Eles só se encontravam nos fins de semana, e durante a semana só se falavam pelo celular. Era incomodo, mas para ele tudo isso era normal, aceitável. Para ela faltava algo.

-Eu queria passar mais tempo com você. – disse ela, com o semblante aparentemente triste, ou carente.
-Mas como? Só temos os finais de semana livres.
-Eu queria poder ficar com você todos os dias. – disse ela, dando um abraço nele e colocando sua cabeça estrategicamente em seu peitoral.
-Você quer vir morar comigo? É isso? – perguntou ele, com uma expressão que a impressionou.
-Talvez... eu não tenho certeza. Mas eu amaria estar com você todos os dias.

Ele sorriu, tomou o rosto dela em suas mãos, olhou no fundo de seus olhos e a beijou.

-Quando quiser, pode ficar aqui. Se quiser passar a semana, pode vir. Se quiser ficar um mês, as portas estão abertas. Se quiser nunca mais ir embora, então eu quero que fique. – disse ele, com a voz pausadamente sedutora, em tom suave.

Ela ficou com os olhos cheios de lágrimas, o abraçou e não queria mais soltar. Estavam juntos há um ano e meio, e este seria o maior passo dado por eles até agora. Morar juntos não significava apenas passarem mais tempo juntos, mas compartilharem mais de si mesmos, conviverem com manias, discutirem, transarem mais, dividirem responsabilidades, intimidades. Ela não fazia ideia de tudo que aquilo representava na vida dela, mas ele já estava preparado, pois amadurecera muito nos últimos dois anos.

Ele ainda dormia quando ela acordava para ir trabalhar, e quando acordava se deparava com um bilhete amoroso. Ele acordava e ia para seu computador trabalhar em seus projetos. Tinha a sorte de poder trabalhar em casa, e ainda por cima ter a casa vazia durante todo o dia para isso.

Tudo sempre correu bem entre eles, poucos conflitos, muito romance. Se davam bem da cama até a porta, do banheiro até a lavanderia, do corredor até a sacada. Mas tudo pode ser perfeito assim? Eu, particularmente só vi tal perfeição nos filmes.

Ele saiu para comprar algumas coisas que estavam faltando na geladeira, e ela voltava dirigindo do trabalho. Iam comemorar dois anos juntos, a construção de um lar... Ele disse que iria cozinhar para ela, e ela disse que mal podia esperar pelo que ele iria fazer para o jantar. Ele comprou os tomates, cebolas, pimentões e tudo mais que precisava usar. Ela cruzava avenidas, escutando uma rádio qualquer, ansiosa para a tão esperada noite. Ele encontrou uma amiga a alguns quarteirões de seu apartamento e parou para conversar um pouco. Ela estava quase chegando.


Nesse momento, algo realmente inusitado poderia acontecer, como ela estar distraída enquanto dirigia, quase atropelar alguém que atravessava a rua também distraído, desviasse o carro de forma brusca e acabasse acertando seu namorado e a amiga dele em cima da calçada. Uma perfeita tragédia. Ou, caso ela fosse psicótica, ao ver ele conversando com outra mulher resolvesse jogar o carro em cima deles, por puro ciúme. Ou ela fosse assaltada no sinal vermelho, tentasse reagir e levasse um tiro, assim ele ficaria esperando ela para o jantar, mas ela nunca chegaria. Ou ele, ao abrir o portão de seu prédio para entrar fosse assaltado, reagisse e levasse um tiro, o que seria bem mais trágico, pois ela, ao chegar, veria ele morto no portão. Ou eu poderia inventar um milhão de possibilidades para finalizar essa história, mas eu realmente não gosto de inventar finais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário