Às vezes me
perguntam “qual a história de amor mais bonita que você já viveu?”, e eu
respondo, tipicamente animado: todas! “Mas como assim, todas?”. Oras, existe
alguma lei regente no universo que me proíbe de curtir todos os amores que
vivi? Que me impeça de aprender com cada desalento? Que me obrigue a amar
apenas uma vez? Acho que subestimamos conceitos. Mas já que toquei no assunto,
eu me lembro de uma história interessante sobre amor, e fique tranquilo, pois
não é mais uma aventura ultrarromântica de um adolescente ou uma história de
coração partido de alguém que cresceu influenciado pelos romances
hollywoodianos, mas a história de um agaroto e uma garota – e esse ponto poderia
ser diferente, sem problema algum -, que por azar acabaram se cruzando.
Ele vivia sem
nenhuma perspectiva, pois perdera a namorada, o melhor amigo, o emprego, o
carro estragara... Um pobre coitado. Ela era independente, sem maiores
problemas, apenas esperando o dia de amanhã para ser vivido, sem maiores
preocupações. Eles eram completamente diferentes, como o mundo deve ser; e isso
nunca impediu nada de dar certo. Quem sempre impede somos nós mesmos. E
pensando assim caímos num paradoxo. Enfim...
Não houve
situação inusitada, momento troca de olhares, lugar certo na hora certa, nada
disso; eles se conheceram na internet, como todo mundo se conhece hoje em dia.
Ela curtiu uma foto dele, ele curtiu uma dela, e com toda essa curtição
começaram a conversar, marcaram de se encontrar, mas essa é a parte chata da
história. Então vamos para o próximo parágrafo.
Ela sempre
ligava para ele nas noites de quarta-feira, e ele adorava ouvir a voz dela –
uma voz tão doce que fazia ele ter orgasmos – enquanto imaginava como seria o
final de semana juntos. Era paixão, talvez amor, talvez conforto, mas isso não
importava, pois eles estavam curtindo um ao outro com tudo o que tinham. Saiam
nos finais de semana a fim de relaxar, assistiam um filme, tomavam uma boa
cerveja ou comiam um pote de sorvete. As coisas banais tornam-se sensacionais
quanto se tem um motivo eufórico por trás disso.
-Você me ama?
– perguntou ela, com tom meigo.
-Só se você
disser que me ama primeiro.
-E se eu não
disser?
-Então eu não
vou dizer, vou apenas mostrar.
E eles se
entrelaçaram, um nos braços do outro, na cama dividida por eles todo o final de
semana, há três meses, enquanto o velho rádio tocava um velho CD que ele
ganhara de sua ex-namorada, com todas as canções românticas que ele um dia amou
escutar com outra pessoa enquanto dividia àquela mesma cama. Para ele isso
nunca faria diferença.
-Quanto você
acha que vai durar? – perguntou ela, com a cabeça acomodada no peitoral dele.
-Durar?
-É. Quanto
tempo acha que ficaremos juntos?
-Não sei.
-Como não
sabe?
-Eu não me
preocupo com isso.
-Não se preocupa
com a gente?
-Não me
preocupo com a gente separado. Me preocupo com a gente feliz.
Ela sorriu.
Ele beijou sua testa.
Para o mundo
exterior tudo parecia perfeito, mas o interior prega peças. Maldito.
Ele ficava
ocupado com seus estudos e trabalhos por fazer. Ela trabalhava demais. Eles só
se encontravam nos fins de semana, e durante a semana só se falavam pelo
celular. Era incomodo, mas para ele tudo isso era normal, aceitável. Para ela
faltava algo.
-Eu queria
passar mais tempo com você. – disse ela, com o semblante aparentemente triste,
ou carente.
-Mas como? Só
temos os finais de semana livres.
-Eu queria
poder ficar com você todos os dias. – disse ela, dando um abraço nele e
colocando sua cabeça estrategicamente em seu peitoral.
-Você quer vir
morar comigo? É isso? – perguntou ele, com uma expressão que a impressionou.
-Talvez... eu
não tenho certeza. Mas eu amaria estar com você todos os dias.
Ele sorriu,
tomou o rosto dela em suas mãos, olhou no fundo de seus olhos e a beijou.
-Quando
quiser, pode ficar aqui. Se quiser passar a semana, pode vir. Se quiser ficar
um mês, as portas estão abertas. Se quiser nunca mais ir embora, então eu quero
que fique. – disse ele, com a voz pausadamente sedutora, em tom suave.
Ela ficou com
os olhos cheios de lágrimas, o abraçou e não queria mais soltar. Estavam juntos
há um ano e meio, e este seria o maior passo dado por eles até agora. Morar
juntos não significava apenas passarem mais tempo juntos, mas compartilharem
mais de si mesmos, conviverem com manias, discutirem, transarem mais, dividirem
responsabilidades, intimidades. Ela não fazia ideia de tudo que aquilo
representava na vida dela, mas ele já estava preparado, pois amadurecera muito nos
últimos dois anos.
Ele ainda
dormia quando ela acordava para ir trabalhar, e quando acordava se deparava com
um bilhete amoroso. Ele acordava e ia para seu computador trabalhar em seus
projetos. Tinha a sorte de poder trabalhar em casa, e ainda por cima ter a casa
vazia durante todo o dia para isso.
Tudo sempre
correu bem entre eles, poucos conflitos, muito romance. Se davam bem da cama
até a porta, do banheiro até a lavanderia, do corredor até a sacada. Mas tudo
pode ser perfeito assim? Eu, particularmente só vi tal perfeição nos filmes.
Ele saiu para
comprar algumas coisas que estavam faltando na geladeira, e ela voltava
dirigindo do trabalho. Iam comemorar dois anos juntos, a construção de um
lar... Ele disse que iria cozinhar para ela, e ela disse que mal podia esperar
pelo que ele iria fazer para o jantar. Ele comprou os tomates, cebolas,
pimentões e tudo mais que precisava usar. Ela cruzava avenidas, escutando uma
rádio qualquer, ansiosa para a tão esperada noite. Ele encontrou uma amiga a
alguns quarteirões de seu apartamento e parou para conversar um pouco. Ela estava
quase chegando.
Nesse momento,
algo realmente inusitado poderia acontecer, como ela estar distraída enquanto
dirigia, quase atropelar alguém que atravessava a rua também distraído,
desviasse o carro de forma brusca e acabasse acertando seu namorado e a amiga
dele em cima da calçada. Uma perfeita tragédia. Ou, caso ela fosse psicótica,
ao ver ele conversando com outra mulher resolvesse jogar o carro em cima deles,
por puro ciúme. Ou ela fosse assaltada no sinal vermelho, tentasse reagir e
levasse um tiro, assim ele ficaria esperando ela para o jantar, mas ela nunca
chegaria. Ou ele, ao abrir o portão de seu prédio para entrar fosse assaltado,
reagisse e levasse um tiro, o que seria bem mais trágico, pois ela, ao chegar,
veria ele morto no portão. Ou eu poderia inventar um milhão de possibilidades
para finalizar essa história, mas eu realmente não gosto de inventar finais.
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